Giuliano Ferreira, 35, dançou na vida até virar pastor evangélico.
Antes de chegar à Assembleia de Deus, ele viajou o mundo com
a trupe de dançarinos da travesti Eloína dos Leopardos –era um dos
moços-felinos nus ao redor da amiga de Rogéria. As duas transformistas
criaram “A Noite dos Leopardos” nos anos 1980, numa galeria em
Copacabana onde fica hoje uma Igreja Universal.
Foi go-go boy em casas noturnas, “daquelas elitizadas”, em São Paulo
e no Rio. Sem revelar nomes, diz ter se engraçado com “um verdadeiro
furacão”, que na época “trabalhava numa grande emissora de TV”.
Descreve o ofício “como um show de stripper, cada um tinha um
personagem”. Seu predileto: o cauboi. “Também já virei Zorro, Mister M.,
‘Titanic’, que fazia sucesso na época… Quando algo se destacava, eu
aproveitava”.
Dos 18 anos 24 anos, enfim, Giuliano era o rei do mundo –pornô.
“Com a ascensão das
minhas performances, recebi o convite para os filmes”, conta. Começou
com cachês pequenos, que hoje calcula equivalerem a R$ 200 por cena.
No auge, como Julio Vidal ou Juliano Ferraz, seus dois pseudônimos
garanhões, chegava a tirar R$ 1.500 por dia. Até decidir largar tudo
para virar evangélico e viver da venda de Bíblias, CDs, DVDs e livros
(não revela a nova renda).
Um dos produtos para aumentar o caixa foi lançado em abril. Na
autobiografia “Luz, Câmera, Ação e Transformação (editora Semeando, R$
19,90, “frete incluso”), o evangelista evidencia esse “antes” e o
“depois” em sua vida.
Na capa, ele como go-go boy, com blusa de marinheiro ajustada a uma
cordilheira de músculos. Na contracapa, a versão convertida, de paletó e
Bíblia na mão.
Giuliano estima ter feito 300 filmes, atuando com homens (“no começo
de carreira”) e mulheres. O mais famoso: “A Primeira Vez de Rita Cadillac”, de 2006. A obra da produtora Brasileirinhas trazia uma inédita cena lésbica da protagonista, já cinquentona.
Giuliano conta ter contracenado com a ex-chacrete na frente da câmera e a consolado após o diretor gritar “corta!”.
“Quem a conhece sabe que a Rita é um personagem, como eu era. Não sou
nada daquilo que passava no filme. Ela também não. É até um pouco
tímida. Chorava muito. ‘Cara, estou fazendo isso por pura necessidade’,
dizia. Eu a entendi plenamente. As pessoas pensam que ali atua um bando
de pervertidos. Mas ali tem pai e mãe de família buscando o sonho de uma vida melhor.”
TITANIC
Na adolescência, trabalhou como contínuo no setor de transporte da Folha
e, depois, como auxiliar de redação de outra publicação da casa, a
extinta “Notícias Populares”. Ao perder o emprego, sentiu a vida ir a
pique. Como o Titanic.
Aos 18 anos, engravidou uma menina mais nova, que largou o filho a seus cuidados. Desempregado e pai solteiro, viu na indústria pornô uma boia de salvação.
Aos 24 anos, com carreira consolidada no circuito para maiores de 18, sentiu a “mão de Deus” guiando a mão não tão habilidosa de um dentista trapalhão.
Durante uma gravação, sentiu o dente inchado. Procurou ajuda
odontológica para extrair o ingrato, mas a coisa degringolou para uma
infecção generalizada. Foram cinco dias de coma, afirma.
“Mas não culpo o dentista. Vejo a mão de Deus em tudo isso. Para eu poder parar e tomar um rumo.”
O rumo, na ocasião, foi a Igreja Batista, seu primeiro “pit-stop”
evangélico. Acabou estudando teologia num núcleo de membros da
Assembleia de Deus. “Até que aceitei o chamado de Deus para pregar a
palavra.”
VIRA A PÁGINA
Casado há 11 anos, com um filho e um enteado, Giuliano mora em São
Carlos, a 244 Km de São Paulo. Pode até ter transformado seu passado num
livro aberto. Mas garante que fez questão de virar essa página.
Hoje, condena qualquer tipo de pornografia –vê seu antigo ramo como uma espécie de “prostituição, segundo a Bíblia”. E defende “princípios da família”, como casar virgem.
“Tenho a certeza que uma pessoa que se casa gostaria de saber que sua
esposa não se relacionou com outra pessoa e se guardou somente para
ele”, diz.
“Agora vão falar: ‘Que isso, você fazia filmes e agora tá assim
careta!’”, reconhece. “Amo minha mulher e respeito muito ela, que rompeu
as barreiras e se casou comigo, um cara que tinha já tido muitas
pessoas na vida.”
O pastor diz que ainda há quem o olhe de um jeito “meio diferente” nos cultos. Mas que a igreja, no fim, cumpre sua “vocação”.
“Ela é para acolher, independentemente se é ex-drogado,
ex-homossexual, ex-prostituta. O próprio Jesus disse: eu vim para os
doentes, não para os sãos”, afirma o hoje engravatado pastor Giuliano,
com a camisa abotoada até a última casinha.
O rei do pornô não está mais nu.
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