"Por favor, qual a saída para chegar ao Forte Apache", pergunto à cobradora do pedágio da estrada que vem do
Quando insisto em pedir a informação dizendo que
sou jornalista e quero conversar com os moradores sobre o jogador
Carlito Tevez, que nasceu no bairro, se tornou ídolo dos argentinos e
não foi convocado para a seleção, e que quero saber o que pensam os
moradores sobre isso, ela então me diz, resignada: "Bom, se você
insiste, pegue a próxima saída e cruze pela segunda ponte, mas depois
não diga que não a avisei. Eu não entro lá nem que me pague."
O tão temido bairro do Forte Apache tem tudo a ver com
futebol e não só porque foi lá que nasceu Tevez, mas também porque ele
só existe por causa da Copa do Mundo da Argentina. O bairro chama-se
Complexo Habitacional dos Andes e nasceu em 1978 para abrigar famílias
desalojadas pela construção dos estádios para a Copa que seria realizada
no país naquele ano.
Acabou ganhando o apelido de Forte Apache
porque, com o tempo, foi cercado por dezenas de prédios altos e
transformou-se em um dos bairros mais violentos de Buenos Aires, com altos
índices de criminalidade. É realmente arriscado entrar ali. Equipes de
reportagem que já visitaram o local em busca das origens de Tevez foram
escoltadas por policiais. Mas o UOL Esporte resolveu
dar uma volta pelas cercanias e ver como seria a reação dos ex-vizinhos
do jogador quando questionados sobre a ausência do atacante na seleção.
Em defesa de Maradona
Depois de algumas voltas, arriscamos uma abordagem, abaixando o vidro,
mas sem descer do carro, a um morador que assava carne na calçada de sua
casa. Quando ele entendeu que estávamos ali por causa de Tevez, largou
tudo o que estava fazendo para nos receber e desabafar. "É uma lástima
Carlitos não estar entre os 23 do Sabella", disse Juan Caamaño, espanhol
de 48 anos que chegou à Argentina com apenas um ano de idade, se nacionalizou e afirma que nunca mais se lembrou que era espanhol.
"Tevez não está nessa seleção porque foi o único que saiu em defesa de Diego Maradona
quando ele foi demitido da seleção", continua ele. "Essa seleção que
começou a treinar não vai ganhar nada. Eu torço por ela porque sou
argentino e, antes de qualquer outro clube, eu torço pela Argentina, mas
não acredito que levemos nada na Copa do Brasil", completou Caamaño.
"Carlitos é um jogador do povo, representa a Argentina e, o que é mais
importante, joga muita bola", diz Jorge Aguirre, 42 anos. "Ele ainda vem
aqui ao Apache, é simples, joga bola com os meninos, só temos a lamentar que não esteja na seleção até porque seria a última Copa dele."
Caamaño tem ainda outra explicação para o técnico Alejandro Sabella não
ter convocado Tevez. "São cartas marcadas, dos 23 convocados pelo menos
a metade é jogador do Sabella, são empresariados por ele. Soma-se a
eles o Messi, que tem que estar porque é queridinho no mundo todo, e não sobra mais lugar para ninguém."
Messi é só mais um jogador
Moradores do Apache chegaram a fazer uma campanha, antes da convocação da seleção, pela escolha de Tevez. Um muro do clube de futebol infantil Santa Clara foi pintado com as cores da bandeira argentina com o slogan "Tevez 11 para a seleção – Brasil 2014". Mas para os moradores do bairro, Sabella não deve ter visto.
Juan Pablo
Perez, 32 anos, é direto: "É óbvio que Carlitos tinha que estar na
seleção, só Sabella não pensa assim. Tevez é um ídolo, é argentino, joga
pela camisa, com orgulho, raça, nos representa e trabalhou muito todo
esse tempo, vem sempre jogando bem. É absurdo que não tenha sido
convocado." E Messi? "Messi está porque tem que estar, mas é só mais um
jogador, não sua a camisa pela Argentina."
Que Tevez na seleção é
um assunto delicado não se discute. O técnico Alejandro Sabella se
irrita quando se toca no assunto e diz que não tem nada a comentar,
limitando-se a dizer que não pode levar todos os jogadores para a Copa,
apenas 23. Mas uma das especulações sobre o afastamento de Tevez é
porque ele é "bocudo", fala demais. "Isso é simplesmente ridículo porque
se jogador que fala demais não pudesse jogar na seleção, nunca teríamos
Diego Maradona", diz José Luis Gramajo, 44 anos. "Jogador tem que
jogar, não importa o que fale."
Segundo os moradores entrevistados pelo UOL Esporte, é unânime o descontentamento do Apache com a seleção de Sabella, mas como o fanatismo fala mais alto,
mesmo descrentes e descontentes com a escolha dos jogadores, todos
prometem torcer para a Argentina. "Já coloquei bandeiras em três casas,
na minha e na de dois vizinhos", diz Caamaño. "Não vai ter o mesmo gosto
sem Carlitos, mas não podemos abandonar a Argentina."
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