Já passava das seis da noite e o calor era exasperador. Ao chegar em frente ao Baobá do Poeta (já estava todo suado) encontrei este meu primo cigano. Sabe de uma coisa? Acho que foi ele quem me encontrou, ficou esperando-me, espreitou-me por vezes, talvez. Mas, dele pode-se esperar tudo.
Tu-dê-ó-dó!
- Olá primo! Soube que você está com um novo empreendimento. – disse-me sem cumprimento, como se estivéssemos nos visto no dia anterior. No entanto, não nos víamos há quase duas décadas.
Parei para atendê-lo, quase não o reconheci naquela penumbra (como a cidade está ficando escura, não digo as ruas principais, estas estão uma beleza, coisa para turista ver. Mas, as periferias... é de meter o dedo no olho, sei não, sei não), cumprimentei-o, dei-lhe notícias, pedi outras, disse-lhe que estava feliz por vê-lo, quase o abracei de tão atônito que fiquei. Mas, ele olhava-me como um cão que vê seu dono trazendo comida, quase babando olhou-me nos olhos e perguntou:
- É verdade que estás abrindo um negócio?
- Não é bem um negócio...
- Chame como chamar é sempre um negócio. E, por sorte sua, tenho uma proposta para te fazer. Repare bem! O negócio é o seguinte – foi dizendo, segurando-me pelo braço e seguindo a caminhada. Ele devia saber aonde eu ia.
Minha dúvida era se ouvia o que tinha a dizer-me aquele maluco ou se perguntava a ele como sabia que eu ia tomar aquele rumo. Que nada, meu primo quando fala é sem parar, e é só ele viu!? Disse-me que tinha tido uma visão do futuro (ele usa alucinógenos), nesta visão ele nos via como prósperos homens, rodeados de riqueza e poder. Disse-me mais. Contou-me que para isto acontecer devíamos fazer um pacto de aliança e amizade. Daí descambou a falar do parentesco, fez aboios, declamou, tomou outros rumos na conversa e eu fui me desligando de sua voz e pensando na quantidade de buracos e lama que a gente ia desviando.
Carros estacionados nas calçadas, camelôs, gambiarras de construções, mendigos e “nóiados” nos impeliam à rua onde os veículos soltavam suas iras de motor e fumaça e os motoristas, em completo transe hipnótico, vociferam seus estresses diários. Um caos. Será que alguém está vendo isto Deus meu? Será que algum gestor ainda deixará as ruas paras os pedestres? Desobstruirão as calçadas? Quando? Perguntava-me estas indignações quando fui agarrado fortemente pelo braço. Era meu primo.
- Então o que achou da idéia?
- Mas, que...
- Deixa! Eu digo de novo. Minha idéia é que você crie, aí nesse seu negócio novo, crie uma fundação. Mas, uma fundação pra funcionar de verdade, não uma dessas que são criadas por prefeitos para servir apenas de ilustração. Crie uma fundação que eu tomo de conta. Desde que, o objetivo principal seja a recuperação das prostitutas e, principalmente, o restabelecimento dos cabarés de antigamente. Lembra? Está mais que na hora de cuidar desta assistência social. Vamos inserir uma nova letra na sigla LGTB, o “P” das putas. Como fundamentação econômica, sociológica, psicológica, epistemológica e outras pornografias da mesma lógica, vale salientar que as putas, putas mesmo, não eram caras como essas menininhas que colocam anúncio no jornal, não. Tampouco, eram enjoadas. Tinham essa história de camisinha? Tinha nada disso não. Era tempo bom, tempo do lavou ta novo. São estas prerrogativas que devem ser levadas em consideração. E a pensão alimentícia, quem pede pensão é amante, filho da puta é filho da puta, quem paga pensão pra filho de “tiquinho” (um tico de um, um tico de outro)? Faz-se necessário sensibilizar a todos. E os cabarés? Era como se estivesse em casa. Melhor que a casa a gente porque a gente podia namorar duas ou três, podia ficar nu, fechar as portas e todo mundo dançar nu. Faça uma coisa dessas num motel! Aquilo lá parece shopping Center, esfria tanto que dá constipação, aí já viu né?
- Que conversa mais doida! – falei. E disse mais: - onde entram os aspectos políticos de sua proposta?
- Ooora essa! “Mai’stá”! Primo, pelas cinco chagas! Será que tu ainda não entendeste o que há de revolucionário na idéia? Imagine! Visualize! É um golpe mortal no capitalismo, o enfraquecimento de vendas de vários produtos: celulares, motonetas, aparelho ortodônticos, a queda das bolsas. Agora, o aspecto político mais importante neste projeto é o caráter global e permanente desta revolução. Pois, com a massificação do exercício da profissão, muitos filhos da puta nascerão e a concorrência entre os iguais fará com que caía por terra o principio de luta de classes, seremos todos filhos da puta.
Não tive escolha, concordei com a proposta. Criamos a Fundação Cabaré de Marieta. Cuida de putas velhas e putas novas, o que mais preocupa o meu primo não é a falta de meninas, são os meninos que andam faltando.
- É que agora não se sabe ao certo de que lado estão certos cabeludos – disse meu primo, enquanto saboreávamos uma cerveja e ouvíamos Raul Seixas.
Geraldo Bernardes (poeta paraibano)
Geraldo Bernardes (poeta paraibano)
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